Entre as coisas que mais me desafiam (e ao mesmo tempo encantam) no atendimento de pequenos negócios, está o quão maleável os modelos de empresas costumam ser.
É como se a gente pudesse brincar, do mesmo jeito que se brinca com as massinhas de modelar. E, do mesmo jeito que acontece na brincadeira, quando a gente “aperta a coisa de um lado”, uma consequência costuma aparecer na outra ponta.
É ‘vida’ que chama?
E um ponto que me preocupa é que, para uma boa parte das pessoas que topam o desafio de empreender, alguns elementos podem parecer desconectados entre si, mas, na realidade, são altamente entrelaçados.
E quando essa relação não é percebida ou mensurada, decisões são tomadas como se elas não fossem reverberar em outros campos do negócio, quando isso é absolutamente impossível.
E para falar um pouco mais sobre essa “aparente desconexão”, quero hoje trazer um conceito que é importante demais e que é ignorado por muita gente, que é a tal da margem de contribuição.
Epa epa, peraí, não vai embora. Eu me comprometo a evitar ao máximo a língua-financês. De cá a gente se preocupa mais em se fazer entendido do que em falar de um jeito bonito. Então, vem comigo.
E já aproveito pra fazer o seguinte disclaimer: no exemplo que eu trago, fiz algumas considerações / aproximações pra facilitar a explicação do macro e a gente não se perder na minúcia da coisa, tá bem?
Vem comigo conhecer a história da empresa da Luísa, a Lamparina (gente, esse é o nome da banda que eu estou ouvindo enquanto escrevo, então me parece um bom nome fictício pro nosso exercício), uma empresa que vende produtos de forma on-line.
Vamos falar do modelo atual
Lá na Lamparina eles têm os custos fixos do negócio mais ou menos assim:
Pra além desta informação, a gente sabe que a cada 100 reais de produtos vendidos a empresa gasta 40 reais com coisas como compra dos produtos para a revenda, compra de insumos, taxas do e-commerce, impostos, gastos com frete, e mais um bocado de outras coisas. Em função disso, dá pra gente dizer que a margem de contribuição média na empresa é de 60%.
TRADUZINDO: De tudo que é vendido, 40% é gasto “automaticamente”. O que sobra para pagar as contas do negócio em si são os 60%, que é o que chamamos de margem de contribuição.
Isso significa que esses 60% precisam bancar os 43.300 reais de custos do negócio. E com isso a gente consegue fazer a seguinte conta:
43.300,00 / 60% = 72.166,67 reais.
Ou seja, para bancar os custos dessa empresa neste formato é necessário ter um faturamento médio mensal mínimo de 72.166,66 reais, porque assim 28.866,40 são gastos com os custos diretos e sobra 43.300 pra bancar os custos do negócio.
Acontece que, na verdade, a Lamparina consegue faturar por volta de 65 mil, então a conta não fecha. Tem despesa que não está sendo paga (e o prolabore e investimento no negócio que lutem). Chateada com essa situação, a Luísa, propõe mudanças!
Agora vamos falar do novo cenário versão 1.0
Para vender mais, a Luísa decide que quer fazer uma grande ação de descontos nunca feita até então: ela vai reduzir em 15% o preço de tudo que está no site. Isso até pode fazer as vendas subirem, acontece que, desta forma, para aproximadamente 85 reais em vendas ela gasta os mesmos 40 reais de antes. Fazendo isso, assim que ela faz uma venda, automaticamente 47% do dinheiro vai embora, e sobram os 53% pra bancar os custos do negócio.
Se antes sobrava um tanto por cada produto vendido (60%), agora sobra um pouco menos (53%), e por causa disso o quanto a Lamparina precisa faturar em média acaba mudando:
43.300 / 53% = 81.698 reais.
E claro, talvez a Luísa confie na aposta de que é mais fácil vender 82 mil reais / mês com os preços mais baixos do que 72 mil reais / mês com os preços como estão, mas é importante que ela tenha claro em mente que, se antes os 72 mil reais resolveriam a vida dela, agora este número já passa a ser insuficiente; a régua da meta de faturamento vai pra outro lugar.
A do cenário versão 2.0
Aqui a gente vai supor que a Luísa acredite que o que vai fazer as vendas subirem é ter mais mão de obra. Hoje a equipe está atolada de trabalho e não está conseguindo dar conta da demanda de forma satisfatória. Com isso, ela não vai seguir o caminho do desconto, mas o que mudará é o tamanho da equipe (vai contratar mais pessoas) e por isso vão precisar mudar a sede do escritório, que já estava pequena demais. Sendo assim, os custos do negócio agora são outros:
A gente teve um aumento de 12.500 reais nos custos.
Então, se antes, para manter a empresa de pé, o faturamento médio mínimo necessário era de 72.166 reais, nesta nova realidade temos:
55.800,00 / 60% = 93.000 reais
(por volta de 20 mil reais a mais em vendas do que era necessário antes).
Ou seja, essa decisão até pode ser tomada, mas somente se a Luísa acreditar que – com o aumento de equipe e mudança de sede – ela conseguirá alcançar o faturamento de 93 mil reais.
Calma que a gente tem também uma versão 3.0 do cenário
Imagine que Luísa decida fazer as duas coisas ao mesmo tempo: as contratações e mudança de espaço. Além disso, para conseguir vender mais, resolva diminuir o preço de tudo em 15%. Daí, o novo faturamento mínimo deve ser algo próximo de:
55.800,00 / 53% = 105.283,00
São decisões que, em algum nível, podem parecer até bobas, mas que têm a capacidade de jogar o ponto de equilíbrio (esse faturamento necessário) lá pra cima.
Pra cá eu trouxe exemplos simplificados. Na prática, na vida mesmo, na hora do “vamo ver”, os pontos cogitados pra alteração da estratégia do negócio são vários e, em muitos casos, se sobrepõem. Por isso, é tão importante ter um momento de pausa e estudo para não propor a solução de um problema que só vai criar outro problema maior.
Eu sei que tem hora que a gente se vê numa sinuca de bico e se cansa, nem quer saber das contas e nem de simulação nenhuma, mas acontece que se a gente decide chutar o balde, quem precisa ir buscar o balde depois é a gente mesmo.
Aumentar a meta mínima de faturamento é algo que implica riscos cada vez mais e mais altos. Reduzir preço de produtos é algo que pode afetar a percepção de valor da marca. Aumentar equipe é algo que pode implicar mais riscos relacionados aos direitos trabalhistas.
E, sejamos honestos: empreender é sim correr riscos. Faz parte. Porém, se a gente não para pra pensar com calma sobre pra onde estamos direcionando as nossas decisões, não é tão incomum acabar se colocando em um lugar que nunca foi desejado e, além de tudo, muito arriscado.
Se você sente que precisa de ajuda com a elaboração de um modelo de negócio e tomada de decisões dentro do seu negócio, de cá a gente consegue te ajudar.
E pra fechar: pensando no atendimento da Lamparina, é importante ter em mente que problemas complexos não são resolvidos com soluções simplistas. A gente deve quebrar um pouco mais a cabeça antes de dar os próximos passos, com pé no chão e responsabilidade.
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