Por que a renda fixa não é fixa?

Muito se fala por aí sobre como a renda fixa morreu, sobre como a taxa Selic está baixa demais e que agora não adianta investir neste tipo de mercado. Mas você já parou para pensar como funciona, na prática, este universo?

Para discutir isso quero falar sobre algumas características deste tipo de investimento focando em dois grupos: aqueles pós-fixados atrelados à Selic e os pré-fixados.

Epa! Falei grego?

Sei que para muita gente quando o economiquês surge o desânimo bate na mesma hora. Mas antes de mais nada quero que você saiba que este texto foi escrito para você, que tem uma certa aversão a estes termos.

E antes de começar a explicação de fato, vou abrir um pequeno parêntese para explicar o que é a tão famosa taxa Selic. Com esse conceito mais claro a gente avança.

A taxa selic, a taxa básica de juros do Brasil

Quem decide o valor da taxa Selic é o COPOM, um comitê de dentro do Banco Central do Brasil. O valor desta taxa é repensado (e mantido ou alterado) a cada 45 dias e tem o objetivo de direcionar a economia no país.

Essa taxa é importante pois serve de parâmetro para que os bancos definam o quanto eles vão remunerar os seus investidores e também o quanto eles vão cobrar daqueles que tomam empréstimos. Ou seja, quanto mais alta é a taxa Selic, mais altos os juros cobrados por bancos e também mais os bancos pagam para quem investe através dele.

Por isso que, quando o governo quer estimular a atividade econômica ele busca reduzir a taxa Selic e quando quer segurar a inflação aumenta a taxa Selic. É um eterno ziguezague em busca de equilíbrio, algo mais ou menos assim:

Agora que já esclarecemos o porquê desta taxa oscilar e qual é o impacto dela em nossas vidas, vamos aos investimentos.

Investir em renda fixa é fazer um empréstimo!

Quando você investe em renda fixa, o que você está fazendo é emprestar dinheiro para alguém: pode ser para banco (poupança, CDB, LCI, LCA), pode ser pra empresas (CRI, CRA, debêntures) e pode ser para o governo (títulos do Tesouro).

E assim como qualquer outro empréstimo algumas coisas precisam ser combinadas antes de passar o dinheiro para a frente. Aqui seguem algumas perguntas que eu faria se fosse emprestar dinheiro para alguma pessoa:

– qual a chance da pessoa não ter o dinheiro pra me pagar lá na frente?

– e se ela falir, mesmo assim, tem alguma garantia?

– dando tudo certo, em quanto tempo recebo meu dinheiro de volta?

– o que acontece se eu precisar do meu dinheiro antes do prazo combinado?

– quanto eu vou receber de volta a mais?

Bom, essas mesmas perguntas deveriam ser feitas quando emprestamos o nosso dinheiro para bancos, empresas e governo. E cada um dos produtos de investimentos disponíveis já tem suas características definidas no momento da aplicação.

Os investimentos em renda fixa pós-fixados

Como já diz o nome, estes são aqueles investimentos que só saberemos a rentabilidade no momento do resgate. É quando a rentabilidade final está associada a alguma taxa do mercado. O exemplo mais clássico de investimento pós-fixado é o Tesouro Selic.

Uma boa analogia para entender como esse investimento funciona é a seguinte: imagina que o a economia brasileira é o mar e o investimento em Tesouro Selic é a boia. Concorda comigo que quando a maré sobe, a boia vai junto? Imaginemos também que se afogar é perder dinheiro e ficar com o corpo todo fora da água é alcançar rendimentos acima da média.

Pois então: seja maré alta, seja maré baixa, o investimento em Tesouro Selic traz previsibilidade e segurança. Corpo meio fora, corpo meio dentro da água, mas sempre respirando com tranquilidade.

É por isso que, somado ao fato de ter liquidez diária, este tipo de investimento é adequado para a Reserva Financeira (e se você quer saber mais sobre este assunto, clique aqui).

Ou seja, no final das contas, não sabemos exatamente quanto vamos ter de rendimento ao colocar o dinheiro no Tesouro Selic, mas sabemos que de alguma maneira aquele investimento vai refletir o cenário econômico no momento de resgate.

E se o sobe desce da maré ainda te deixa preocupado, saiba que a Caderneta de Poupança funciona do mesmíssimo jeito, mas é uma espécie de boia um pouquinho murcha, pois oferece um rendimento um pouco menor que o do Tesouro Selic.

Agora os investimentos em renda fixa pré-fixados

Bom, aqui a história já é diferente. Neste tipo de investimento já se sabe exatamente o valor a ser resgatado na data de vencimento (e atenção! o combinado de rentabilidade só vale se esperar todo prazo acordado). O produto mais conhecido desta categoria é Tesouro Pré-Fixado.

Seguindo a mesma analogia da maré, ao investir em um pré-fixado é como se você abraçasse um arrecife e não soltasse mais. Caso a maré abaixe muito, você fica com o corpo de fora da água; caso a maré suba muito você pode ficar submerso.

É por isso que, por mais que a rentabilidade esperada na data de vencimento já seja definida, não temos clareza sobre como será o cenário econômico futuro. Portanto é impossível afirmar com certeza se aquela taxa foi um bom negócio ou não; é preciso esperar o tempo passar para saber.

E se eu precisar do meu dinheiro no pré-fixado antes?

Para este tipo de investimento você concorda em esperar um período e o governo concorda em te pagar determinado valor. Caso você não queira cumprir a sua parte do combinado, o governo também não precisa cumprir a dele, e neste caso você vai encarar o que conhecemos como marcação a mercado.

A marcação a mercado faz com que o seu investimento seja precificado diariamente, ou seja, é possível saber a todo momento o valor que você teria caso solicitasse o resgate. E este valor depende de quais são as expectativas para o momento do vencimento do seu título.

Caso as expectativas para o futuro sejam de que a maré vá subir muito (nesta analogia, de que a Selic vai subir), o valor que você resgataria seria mais baixo, pois as chances de afogamento são grandes. Já no cenário onde a expectativa seja a maré abaixar, o seu produto passa a ser mais visado e consequentemente passa a ter um valor maior.

Quanto mais o tempo passa, menos estes valores oscilam, já que algumas certezas começam a se firmar ao seu respeito.

Atualmente, por exemplo, as expectativas são de que a taxa Selic volte a subir (é possível acompanhar estas previsões consultando o Boletim Focus, portanto, provavelmente investir em títulos pré-fixados não é a melhor ideia do momento.

E é por isso que renda fixa não é fixa…

Seja nos pós-fixados ou nos pré-fixados não há como termos simultaneamente a certeza do valor a ser resgatado e a certeza do que é esperado no cenário econômico no momento do resgate.

Mas o fato de termos uma relativa incerteza sobre o futuro dos investimentos não é motivo para desistir dos mesmos, muito pelo contrário. É motivo para buscar entender cada vez mais quais são os produtos disponíveis e quais são as suas características. Só entendendo o que você precisa e o que há de disponível no mercado é possível fazer boas escolhas.

Se é do seu interesse se aprofundar sobre o assunto, saiba que por aqui oferecemos cursos e também consultorias financeiras, onde podemos te orientar – com imparcialidade – para que você fique mais perto dos seus objetivos tendo autonomia ao longo do processo.

Lorena Pires

Consultora Financeira Pessoal da Papo de Valor. Acredita que por mais “exata” que seja a matemática, nem tudo são números. Atuar ajudando pessoas a se organizar financeiramente – e consequentemente colaborar para que tenham uma vida mais livre – é seu principal propósito.

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