Aos lúcidos e duradouros sins

O ano era 2018, ali na Chapada dos Veadeiros, debaixo de um sol de inverno digno de centro-oeste brasileiro. Foi quando o meu então namorado me fez uma pergunta (aquela tão esperada!): Você quer se casar comigo?

Confesso que já esperava, afinal, namorávamos desde 2008, e já tínhamos atravessado uma variedade imensa de perrengues e felicidades. 

10 anos de história são capazes de trazer oportunidades para testar o relacionamento de tudo que é jeito, e tínhamos uma aprovação 10 de 10. Naquela época, eu já me sentia confortável em admitir que gostaria de dividir a minha vida com a dele.

Ainda assim, foi como se a partir daquele “7 de setembro”, a gente se dispusesse a conversar de maneira mais prática e objetiva sobre assuntos que seriam importantes na construção de uma vida a dois.

Não é que a gente nunca tivesse conversado sobre essas coisas na época do namoro, mas quando o plano de ca-sa-men-to e juntar as trouxas se tornou mais palpável nos pareceu óbvia a necessidade de abordar de maneira mais objetiva e clara alguns assuntos que não poderiam ser tratados com desleixo.

Conversamos sobre o desejo ou não de ter filhos, sobre divisão de tarefas dentro de casa, sobre o respeito que teríamos com a carreira profissional um do outro, onde gostaríamos de morar, como seria a divisão de gastos dentro de casa, sobre qual seria o regime de bens em nosso casamento...

Conversas importantes e que eu entendo serem indispensáveis à construção de qualquer relacionamento. 

Mas vale dizer que o que a gente teve naquele período não foi uma sequência ininterrupta de “eu concordo com você” – mesmo com a gente se amando muito. Em alguns pontos a gente discordava, e nesses a gente alongava um pouco mais a conversa,, entendendo se:

1) Havia, de fato,uma discordância ou se a comunicação entre a gente só tinha ficado meio torta;

2) Haveria algum tipo de concessão razoável que um dos dois ou os dois estivessem dispostos a fazer para chegar em um consenso ou se

3) Era algo que dava pra simplesmente concordar em discordar e seguir a vida, sem afetar a existência do nosso relacionamento. 

Os pontos em que a gente se debateu não foram poucos, e conversar sobre eles foi essencial para alinhar expectativas e garantir que a gente estivesse olhando para o mesmo lugar.

Agora perceba, eu quis trazer aqui a importância dessas conversas na construção de relacionamentos, e não acredito que esse tipo de DR deva se limitar às relações amorosas.

Tem um outro tipo de relação que é tão séria quanto, e eu vejo gente mergulhando de cabeça sem antes ter separado um tempo para se conhecer melhor. 

A tal da sociedade.

Sabe quando você vê aquela pessoa querida que se casou só para não se sentir só e você sabe que é uma grande furada. Pois veja, com sociedade não é tão diferente.

Tem uma estrada de “namoro/noivado” que deveria existir antes da decisão de assinar um contrato social juntos. E é interessante que as perguntas a serem feitas nem são tão diferentes assim: quem vai fazer o que? Os dois vão trabalhar o mesmo tanto? Em caso de separação, quanto é de cada um? E quando alguém estiver numa licença-maternidade/paternidade, continua recebendo igual e por quanto tempo esse acordo vai valer? E se a empresa se endividar, tá todo mundo ciente de que vai precisar aportar grana? Falando nisso, quais são os riscos que cada um está disposto a correr? E qual é o resultado que cada um gostaria de alcançar? Tá todo mundo disposto a fazer o que precisa ser feito para tirar esses sonhos do papel? (…)

E para começo de conversa: os sonhos de cada um estão alinhados?

A sociedade é mais do que “a gente quer ganhar dinheiro juntos”. Pessoas têm visão de mundo diferentes, necessidades diferentes, desejos diferentes, disponibilidade emocional e de tempo diferentes. Antes de dar um passo em direção a essa construção é indispensável verificar quão alinhados estão esses objetivos e se as incompatibilidades são contornáveis.

E é difícil trazer à tona essas conversas? Oh se é! 

A gente toca em pontos doloridos para o outro e para gente. Em alguns casos a gente ‘assassina’ sonhos que nem chegaram a existir. Mas é a maneira que temos de evitar a construção ou manutenção de algo que vai gerar dor, perda de tempo e de dinheiro.

Uma sociedade entre pessoas que têm objetivos diferentes dentro do negócio é bem parecida com estar casada com alguém que tem planos diferentes dos seus. Cedo ou tarde vai acabar. Simples assim.

Como disse uma grande amiga outro dia: “penso que só tem duas formas de seguir em bons relacionamentos: tendo as conversas necessárias e dolorosas quando temos que tê-las ou separando e sofrendo depois por não ter falado e combinado o que era necessário.”

Eu sei que a vida de quem decide empreender pode parecer solitária demais e que ter alguém ali do lado construindo junto pode parecer a peça que falta. Mas são muitas decisões a serem tomadas, muitos pratinhos a serem equilibrados, seja sozinho ou com alguém do lado. Afinal, nem sempre trazer mais alguém pra equação é o que vai resolver os nossos problemas.

Casamentos e sociedades podem ser decisões maravilhosas! Na mesma medida em que podem ser decisões catastróficas. É por isso que trago a provocação a uma reflexão um tico mais aprofundada. E que, diante da pergunta tão esperada, – caso porventura o “sim” seja a resposta – que este seja lúcido e duradouro.

Lorena Pires

Planejadora financeira da Papo de Valor. Acredita que ajudar no sucesso de um pequeno negócio é também ajudar na ascensão social das pessoas que estão ali por trás (dos empregadores aos funcionários), é minimizar passos em falso que teriam consequências catastróficas nas vidas dessas pessoas, é participar e colaborar para realizações pessoais.

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