A vida financeira de uma planejadora financeira

Eu preciso começar este texto dizendo que acho curioso o quão grandes são as expectativas relacionadas à vida financeira de quem trabalha na área de planejamento ou do mercado financeiro. É como se todo mundo de cá (eu e esse universo de colegas de trabalho) vivêssemos o sonho, como se tudo fosse simples, fácil, intuitivo e óbvio.

É claro que uma boa parte disso é efeito do que é mostrado em nossos canais de comunicação, onde (como é de se esperar) ensinamos receitas que podem facilitar a vida financeira de um bocado de gente. Acontece que na prática a vida de ninguém é perfeita, e isso vale para todos os aspectos da vida, não é mesmo?

Esse texto é, portanto, um convite à nossa realidade, e estou aqui para te contar que nem tudo são flores. Vale destacar que eu posso falar por mim, e é por isso que aqui vou falar da minha vida. Mas ouso dizer que boa parte dos meus desafios são bem parecidos com os de outros colegas de profissão.

Eu não poupo o que considero ser o ideal para a minha aposentadoria

Eu já fiz as minhas contas, afinal, eu já cansei de demonstrar estes cálculos para os clientes da consultoria financeira e nada mais natural do que ter a curiosidade e calcular o que considero uma renda ideal para mim na fase aposentada e o que eu preciso fazer para chegar lá.

Pois é.

Acontece que hoje em dia eu não conseguiria poupar os necessários 3.500 reais por mês sem afetar de maneira muito significativa a minha qualidade de vida. E não tenha dúvidas, essa reflexão já é batida por aqui. Onde eu entendo que dá para poupar, eu já o faço. E chegar neste número no meu contexto atual ainda é inviável.

Eu não tenho autocontrole o suficiente para gastar com o cartão de crédito

Uma coisa que já experimentei fazer foi concentrar todos os gastos variáveis no meu cartão de crédito e respeitar o limite previamente estipulado. Funciona para vários dos meus clientes, diga-se de passagem. É algo mais ou menos assim: posso gastar mil reais por mês com coisas variáveis e vou gastar tudo através do cartão de crédito.

Para mim isso simplesmente não dá certo. Eu sempre gasto mais do que posso e em 2019 cheguei a precisar recorrer à minha reserva de emergência para cobrir uma fatura. Na prática, eu me sinto “merecedora”, acho que trabalho demais, e quando vejo estou lá pedindo o bendito do iFood. Então o que eu fiz foi: eliminei o cartão de crédito da minha vida (na prática, eu até tenho o cartão de crédito do NuBank, mas sempre que gasto por lá por algum motivo aleatório eu antecipo o pagamento da fatura e sigo com ela zerada) e gasto somente no débito.

Da mesma maneira que acontecia antes, separo os mesmos mil reais para variáveis. Para mim, a diferença é que quando vejo o dinheiro na conta acabando, eu respeito.

Eu viajo menos do que gostaria

Viajar é um dos meus principais hobbies, tanto que até tenho alguns textos no blog da Viva, Viaje onde contei sobre algumas experiências. Até então (estamos no comecinho de 2021) conheço 29 países e já rodei bastante por nosso Brasil. Porém, desde que tomei consciência de que eu não poupava para a minha aposentadoria porque sempre recorria às minhas economias para viajar, coloquei o pé no freio.

Eu continuo viajando, porém hoje pondero mais, faço mais contas e tenho viajado menos para o exterior.

É frustrante, contudo, é o que eu entendo como ser responsável. Mas repito: é frustrante.

Em alguns meses, eu gasto mais do que deveria

Para ser bem sincera, eu já identifiquei um padrão. Por volta de uma vez por ano eu enfio o pé na jaca pra valer e gasto um valor consideravelmente alto para o meu padrão de vida. Já gastei com roupa, já gastei com viagem, já gastei com mobília.

Fato é que uma vez por ano (e ainda não descobri o motivo da frequência ser tão definida) eu acabo extrapolando no valor que eu poderia gastar. E paciência. Neste mês, não poupo.

Eu vivo redimensionando quantos clientes posso atender por mês

Eu sou uma profissional autônoma que recebe através do atendimento que ofereço na consultoria financeira. Isso significa que quanto mais pessoas eu atendo, mais eu recebo.

Acontece que esses atendimentos demandam tempo. E o meu tempo é a minha vida, certo?

Com muita frequência eu me pego refletindo sobre o ritmo de trabalho que desejo assumir e tento achar um equilíbrio entre este e o valor que almejo de remuneração. Pessoalmente acho este cálculo muito difícil, apesar de ser da matemática mais simples que tem por aí.

O outro lado da moeda

Bom, listei por aqui algumas das minhas dificuldades, mas acho válido levantar que em muitas situações o conhecimento que adquiri ao longo da minha vida profissional me ajuda, e muito.

O mais óbvio deles é o hábito de respeitar o pagamento do meu pró-labore. Mesmo recebendo pagamentos picados em datas variadas, tenho uma rotina muito firme em relação a quanto posso pagar de salário para minha vida pessoal mensalmente, e tenho o universo do que é empresarial e o do que é pessoal muito separados. Inclusive, neste texto aqui a Larissa abordou os principais benefícios que essa separação traz.

O segundo é relacionado a aposentadoria que mencionei logo no começo do texto. Por mais que eu não consiga poupar o valor desejado, poupo uma parte. Tenho certeza de que esse movimento – ainda que relativamente discreto – vai me ajudar muito no futuro e fico muito aliviada com isso.

No que se refere ao (não) uso do cartão de crédito, aprendi ao longo das consultorias financeiras que já ofereci que não existe certo e errado, e sim o que funciona e o que não funciona para cada um. Acho maravilhoso que o contato com a vida financeira de outras pessoas tenha me proporcionado a reflexão de que eu não preciso agir como todo mundo e que “tá tudo bem” não contar com o autocontrole.

O quarto assunto é o pé na jaca que acontece vez ou outra. Este eu consigo levar com leveza. Sei que planejamentos falham, e que vez ou outra nem tudo vai sair do jeito que estava previsto. Neste caso, é respirar fundo e retomar de onde parei.

Outro grande benefício que enxergo é o fato de eu ter muita clareza de quanto custa o padrão de vida que almejo. Isso me dá uma série de direcionamentos em relação a minha carreira.

Por último, acho que vale ressaltar que este é um brevíssimo artigo onde seria impossível listar todas as frustrações e realizações que eu, como qualquer outra pessoa, tenho em relação às minhas finanças.

E por isso, espero que da próxima vez que topar com um(a) planejador(a) financeiro(a) por aí você saiba que somos passíveis de defeitos e frustações, e que tá tudo bem. Seguimos humanos. 🙂

Lorena Pires

Planejadora financeira da Papo de Valor. Acredita que ajudar no sucesso de um pequeno negócio é também ajudar na ascensão social das pessoas que estão ali por trás (dos empregadores aos funcionários), é minimizar passos em falso que teriam consequências catastróficas nas vidas dessas pessoas, é participar e colaborar para realizações pessoais.

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