Por que organizar as finanças “de cabeça” não é uma boa ideia

Todos os dias precisamos lidar com dinheiro, direta ou indiretamente. E seja você amigo ou inimigo da matemática, noções básicas sobre ela são importantes afinal, seja para pagar uma conta de energia, comprar o lanche da tarde ou fazer a viagem de fim de ano, os números estão presentes.

E por esse assunto ser tão constante em nossa vida, por vezes nos sentimos confiantes o suficiente para dispensar o uso de “papel e caneta” e fazer as contas de cabeça. Acontece que uma série de estudos da área de psicologia econômica revelam que este hábito provavelmente está longe de ser o mais adequado. Neste texto eu quero falar sobre isso, e a primeira grande pergunta a ser respondida é:

E por que você deveria ter noções de psicologia econômica?

Entender como funciona a mente humana é um dos primeiros passos para identificar quando estamos acertando, quando estamos errando e também para pensar em estratégias que nos ajudem a “funcionar” a nosso favor.

Como assim?

Se, por exemplo, você sabe que toda vez que compra chocolates para durar por um mês você come tudo na primeira semana, uma boa estratégia para você pode ser a de realizar as compras de chocolate semanalmente, e não no atacado.

Portanto, por aqui, o meuobjetivo é contar um pouco sobre um dos tipos de armadilhas que o nosso cérebrocostuma pregar em nós quando o assunto são finanças e, com essa informação nasmãos, espero que você busque maneiras – dentro da sua realidade – de se blindardelas.

Alguns dos estudos realizados por

Richard Thaler (economista americano vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2017) afirma que dividimos a nossa vida financeira em:

  1. contacorrente: de ganhos e gastos
  2. contade bens: que são o nosso patrimônio
  3. contade renda futura: os nossos ganhos futuros (muitas vezes incertos)

E segundo ele administramos essestrês tipos de contas de forma subjetiva e sem tanta relação com a realidade dosfatos.

Um exemplo bem interessante disso é o trazido por uma pesquisa realizada por ele e Eldar Shafir em 2006, onde foi avaliado o comportamento de colecionadores de vinhos.

Eles puderam constatar que acompra dos vinhos é percebida como investimento por estes colecionadores. Poroutro lado, quando abrem uma garrafa do estoque para consumo, a mesma éentendida com algo gratuito e até como uma “maneira de economizar”. Sensaçãooposta à gerada pela quebra da garrafa em um acidente de percurso, que nestecaso passa a ser percebida como de maior valor do que o que teve de fato.

É importante notar que a garrafacustou um único valor no momento da compra, porém este é percebido dediferentes maneiras em função das circunstâncias de consumo e emoções geradas.

Um pouco da minha experiência

Os exemplos que já presenciei são muitos! E pude constatar uma destas ocasiões em um encontro de consultoria financeira recente. A cliente (que aqui vamos chamar de Maria), apesar de não precisar ou utilizar os serviços oferecidos pelo seu pacote de tarifas do banco, não se incomodava em pagar os 63,50 reais mensais que eram cobrados – segundo ela, um valor baixo demais para fazê-la encarar a burocracia dos bancos e negociar uma redução do pacote.

Por outro lado, estava incomodada com o alto valor do boleto do IPVA (quase a vencer) de 760 reais. Perceba que, considerando que o IPVA é uma taxa anual, ele tem valor praticamente igual ao valor das taxas bancárias.

O fato daquela despesa ser realizada de maneira mensal, e consequentemente diluída, trouxe a percepção de valores diferentes, quando na verdade não são (aqui excluo as considerações de custo de oportunidade por entender que a diferença seria mínima).

E vale dizer que, após expor estefato durante o nosso encontro, Maria ficou muito mais motivada a ligar para ogerente e negociar pacientemente a isenção da taxa bancária que lhe economizaráum IPVA por ano.

Este é apenas um exemplo, mas a lista de situações em que as contas mentais afetam a nossa tomada de decisão de maneira perigosa é grande:

  • Pensar em usar um dinheiro extra (como 13º, porexemplo) para muitas coisas, e não perceber que o valor não é suficiente paratudo que está sendo proposto;
  • Abrir mão de um gasto para realizar outro, edesconsiderar que o segundo tem um custo maior;
  • Não realizar determinada compra à vista por nãoter dinheiro, mas topar o risco de comprar parcelado e não conseguir pagar;
  • Contratar empréstimos abusivos e não fazer ascontas do que será pago de juros e o que é amortização;
  • Preferir entrar no cheque especial a tirar odinheiro da poupança;

É caso que não acaba mais.

E atenção! Muito cuidado com o seu otimismo

Segundo Daniel Kahneman (outro vencedor do Nobel de Economia, este de 2002) é da natureza humana sermos altamente otimistas na maior parte do tempo, e este é por sua vez um mau conselheiro ao projetar o futuro (ponto que ele bateu na tecla nessa entrevista dada a HSM Management).

O otimismo nos leva a acreditar que é possível realizar algo, quando bastaria um olhar frio e pé no chão para entender que a realidade não é bem essa. Por isso, é tão importante adotar uma visão externa em alguns casos.

A visão externa ajuda pois reduz o item “desejo” da jogada. É que alguns estudos indicam que o nosso desejo por algo pode nos tornar ainda mais otimistas em relação a ele. Algo mais ou menos assim: “quero muito fazer a reforma na minha casa, vou usar o dinheiro das minhas férias para isso”. O fato da reforma ser algo muito desejado, impacta na maneira como subestimamos os gastos necessários para a reforma ou como enxergamos o valor extra a ser recebido.

E como combater essas armadilhas do nosso cérebro?

Entendo que o primeiro ponto é aceitar que não somos melhores que a maioria e que a nossa percepção sobre o dinheiro recebe interferência dos nossos julgamentos, desejos e emoções. É por isso que, antes de agir, contas precisam ser feitas. Atitudes como orçar, planejar, estudar, pedir a opinião de outras pessoas que entendam do assunto e comparar são fundamentais. É assim que trazemos clareza para o nosso processo de tomada de decisão.

É claro que, mesmo com todas as contas no papel, não significa que nossas decisões passarão a ser 100% racionais (a Larissa fala um pouquinho disso neste texto). Mas mesmo quando deixamos o sentimento falar mais alto, ter consciência da nossa escolha é um passo libertador que nos oferece autonomia sobre as nossas escolhas.

Portanto, ao invés desimplesmente confiar nas contas de cabeça é importante rabiscar os fatos em umpapel, ou numa planilha, ou onde preferir.

Diria ainda que um ponto fundamental é reconhecer que quando não dominamos determinado assunto uma ajuda profissional é bem-vinda. O serviço da consultoria financeira oferecido pelas planejadoras da Papo de Valor caminha neste sentido, justamente o de colocar os números no papel e te ajudar a enxergar com clareza a sua realidade e as suasalternativas.

 

Lorena Pires

Consultora Financeira Pessoal da Papo de Valor. Acredita que por mais “exata” que seja a matemática, nem tudo são números. Atuar ajudando pessoas a se organizar financeiramente – e consequentemente colaborar para que tenham uma vida mais livre – é seu principal propósito.

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